Este é um termo bem complicado de definir, além de ser um assunto polêmico! Há poucos registros históricos que fundamentem uma discussão, contudo é possível reunir uma boa quantidade de informações que podem ajudar a entender minhas conclusões pessoais. Assim antes de tentar defini-la vou colocar alguns tópicos que me levaram a definição que vou dar a seguir:
A Raks el Shark (dança do leste) era também parte da vida dos povos árabes, disseminado nas tribos de beduínos, foi caminhando e evoluindo por todo o oriente e sul da Europa. Por volta do século XIX existiram dois tipos de bailarinas: as Awalins que eram artistas e as Ghawazi, que eram ciganas. Estas danças impressionaram o exército de Napoleão e artistas europeus durante a invasão francesa, considerações sobre suas apresentações podem ser encontradas em algumas literaturas “Orientalistas” desse século. Algumas foram levadas a Paris, onde a dança recebeu o nome de “Danse du ventre” e o estilo de roupa Cabaret, sendo uma das primeiras ocidentalizações da dança. Depois foram levadas aos E.U.A. Posteriormente durante a ocupação Britânica já existiam muitos clubes e casas noturnas no Egito e traziam coreógrafos americanos e europeus para ensinar suas bailarinas. Foi nesse período que surgiram as chamadas bailarinas da época de ouro da dança do ventre.
Ao longo dos anos, a dança sofreu modificações diversas, inclusive com a inclusão dos movimentos do ballet clássico russo e jazz americano. Surgiram as ondulações de braço e a postura padrão de mantê-los na altura do tronco. O uso do véu como um acessório também veio dessa época. Como a dança foi adaptada para palcos, era necessário incrementar a apresentação para quem estivesse mais longe. Houve muita influência dos filmes de Hollywood na nova forma de dança que emergiu no início do século XX. Outra inovação foi inserir nas orquestras árabes os instrumentos populares, misturando-os aos clássicos. Assim, violinos, alaúdes e outros passaram a acompanhar o derbake, riqq, daff entre outros. Como efeito, os ritmos alteraram-se levemente e as músicas começaram a ter taksins, típicos da cultura turca.
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Mahmoud Reda foi um pioneiro da dança-teatro no Egito. Solista, coreógrafo e diretor de centenas de produções, inclusive para o cinema. Mahmoud Reda fez turnê em mais de 60 países, apresentando-se com sua Cia nos palcos mais prestigiados do mundo, onde participavam nada menos que Mo Geddawi e Raqia Hassan. Abaixo a transcrição de trechos de uma entrevista sua:
“Even the people, when you bring them, the real folkloric dancers, put them on stage, they look odd, they look strange. Their costumes, they don’t know where to look, they don’t know, and if they do their things, it’s very monotonous. You better go to them and join them, and be happy. But on stage, it’s different. So what I call my choreography is not folkloric. It’s inspired by the folkloric. It’s inspired. So I do all the variations possible to this step. If you’re lucky, then it will keep the same spirit. If you’re not lucky- it’s like developing Arabic language, then it becomes English. Not good. So, if you manage to keep the spirit in spite of what you did to these movements, you are lucky. I was lucky. So I did all what I could, eh? to put variations of the same step, but still the people watch it, and they recognize themselves in it. Farida’s father had something to do with this. He sits in the audience beside some fellahin people, villagers who came to see the show. And of course you know how the dancers fellahin with the dress, it’s a bit different, and even the jar is painted, eh? not like the original one. Then he would say “What’s this? This is not fellahin dance, and this is not a fellahin jar.” So the people will turn to him and tell him, “No, this is us, and this is our jar, and this is our dance. So the idea, he’s testing, and he comes very happy and tells me what happened. They recognized themselves, although there is like 90 % extra put on the dance.”
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O Tribal surgiu na década de 60, nos Estados Unidos, pela coreógrafa Jamila Salimpour que, após longa viagem pelo Oriente Médio e norte da África, criou um estilo onde unia movimentos de danças folclóricas de países como Marrocos, Argélia, Líbia e Egito, criando um estilo único, usando como base as técnicas da dança do ventre e figurinos típicos. Nos anos 80 criou-se o estilo ATS e posteriormente mesclaram-se danças tribais de outras culturas espalhadas ao redor do mundo, criando a Tribal Fusion. Atualmente a base da dança Tribal deixou de ser necessariamente a dança do ventre, sendo incorporados também movimentos de outras danças modernas como o circo, a dança de rua, as danças regionais e até as artes marciais.
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Em 2003, para promover a música árabe, o empresário Miles Copeland criou um show de entretenimento com dança do ventre, intitulado Bellydance Superstars e Rosas do Deserto, o show atraiu a atenção da organização do Festival Lollapalooza. Isso levou a arte da dança do ventre para 30 cidades do espetáculo na frente de mais de 500.000 pessoas a maior exposição dessa forma de arte. O sucesso foi tamanho que a empresa embarcou em um programa abrangente para criar produtos de alta qualidade melhor do que qualquer uma existente no mercado: DVDs didáticos com os melhores professores da América, DVDs de Shows com os melhores bailarinos americanos, CDs de dança do ventre e um documentário sobre o grupo.
Assim pode-se resumir didaticamente, mais ou menos, essa trajetória de acordo com o quadro a baixo:
DEFINIÇÃO ATUAL |
DEFINIÇÃO NA EPOCA |
DESTAQUES |
INFLUÊNCIA |
Obs |
*EPOCA |
Dança do Ventre Tradicional |
Raks Al Sharq |
Ghawazee |
Regionais do Oriente Médio |
– |
séc. XVIII- XIX |
Dança do Ventre Clássica |
– Danse Du Ventre – Bellydance |
Época de Ouro |
– Cabaré francês; – Ballet Clássico russo; – Jazz americano; – Hollywood e Broadway. |
Uso de véu |
1900 |
Dança do Ventre Moderna |
– Danse Du Ventre – Bellydance – Raks Al Sharq |
Mahmoud Reda |
Resgate do Folclore Árabe sob moldes ao teatro e cinema
|
– Elementos Folclóricos – Consolidação de Estilos |
1960 |
**Tribal |
Tribal Bellydance |
Jamila Salimpour |
– Danças Étnicas Orientais – ATS – Tribal Fusion
|
– Outras danças étnicas; – Circo; – Artes Marciais; – Outras danças. |
1960 1980 1990 |
Dança do Ventre Contemporânea |
Bellydance |
Shakira e Miles Copland |
– Globalização e do capitalismo; – Produções para entretenimento; – Tribal Fusion.
|
Novos elementos e Fusões |
2000 |
* Em determinados momentos essas divisões se fundem. Datas aproximadas.
** Estilo baseado na dança do ventre, que tem ramificações independentes, mas que influenciaram as bailarinas da atual bellydance.
Desta forma nota-se que é extremamente difícil identificar atualmente quem são os detentores da original “dança do ventre”, ou melhor da Raks al Shark, pois com o passar do anos dois fatores decisivos influenciaram diretamente as transformações dessa dança: Cultural, no contato com outros povos; e Expositivo, no qual adaptava o seu formato ao meio de realização (cabaré, cinema, teatro, espetáculos, etc). Sendo assim a dança do ventre contemporânea nada mais é do que o produto atual das influências que a dança original sofreu até o presente momento, adequando-se as necessidades dos meios, do público, dos praticantes e da necessidade constante de criação e experimentação do homem. Com coreografias cada vez mais elaboradas, uso de novos elementos e fusões, pensadas para enriquecer o principal objetivo que é de extravasar os sentimentos e habilidades dos bailarinos e encantar platéia, que sempre foram à essência dessa arte milenar. Pode-se fazer um comparativo com o caso do Cirque du Soleil, que reformulou o mundo dessa nobre arte, elevando-a a novos patamares, tornando as apresentações em verdadeiros espetáculos, sem perder a magia circense.
Abaixo algumas considerações pertinentes de outras bailarinas que refletem meus pensamentos acerca do assunto:
“A modernização é parte do processo evolutivo da dança na nova era, é muito bem vinda, abre todas as possibilidades criativas, porém existe uma linha muito sutil que separa uma fusão de uma confusão. Então, as coreógrafas, as professoras e as estudantes devem ser bastante cuidadosas em suas criações, usando e abusando do bom gosto, da pesquisa sobre o tema, do senso de estética e principalmente do respeito para com a dança, a música e a indumentária a serem exploradas. É desafiante e interessante perceber que a cada nova combinação descoberta contribui muito para a ampliação dos horizontes e das expressões artísticas no universo fantástico das Danças Étnicas Modernas. Crie novas mutações, explore novos universos, misture todas as técnicas, combine os passos, permita-se ser diferente, revolucione, inspire-se nos sons da nova era. Seja completamente original, evolua e cresça com as novas experiências. O aprendizado é uma constate, por tanto dance sempre e cada vez melhor.” Luciana Ferraz do Amaral Martins – Bailarina Níjme
“Nestes muitos mil anos de história da Dança do Ventre, ela sofreu mudanças variadas e foi desenvolvida por mulheres de diversos povos que acrescentaram a ela influências de suas sociedades, cultura e tradições locais da época. A dança continua em constante evolução e mudança e nós também fazemos parte dessa história! A Dança do Ventre é uma técnica primorosa e cada bailarina faz dela o uso que se propõe, porém dançando com a alma, nós mantemos viva essa tradição e contribuímos para que essa magnífica arte milenar não desapareça com o tempo!!” Extraído do site Rakaça de Micheli Trentin
Desta forma pode-se concluir que não há estilo melhor ou pior que outro, nem aquele mais ou menos original, mas sim que é possível eleger aquele que se adapta aos gostos, preferências e objetivos de cada bailarina, pois a dança do ventre extrapolou as fronteiras do folclore árabe e tornou-se uma nova modalidade de dança a nível mundial, a bellydance, tendo um parâmetro subjetivo haja vista a falta de uma regulamentação anterior e oficial que pautasse possíveis distorções .
Luiza Araujo
Obs.: TODAS AS INFORMAÇÕES SÃO FRUTOS DE PESQUISA EM FONTES DISPONÍVEIS EM VÁRIOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO. DE MODO ALGUM TEM A INTENÇÃO DE ENCERRAR O ASSUNTO, OU TORNAR-SE UMA VERDADE ABSOLUTA. É APENAS MINHA OPINIÃO PESSOAL, A PARTIR DA MINHA EXPERIENCIA E INTERPRETAÇÃO DOS FATOS ESTUDADOS SOB MEU PONTO DE VISTA.
PS (outubro 2014): dois ótimos trabalhos acadêmicos que encontrei e que podem elucidar ainda mais alguns pontos dessa questão:
http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/11249/1/2012_RobertadaRochaSalgueiro.pdf
http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/5669/1/2006_Cinthia%20Nepomuceno%20Xavier.pdf